“Órfão da Tempestade”

Tudo começou por mera curiosidade, quando tomei conhecimento de que uma viúva intelectualizada, que há vários anos reside em Campina Grande e que pertence a alta sociedade, tinha uma história de amor, registrada em três páginas de um livro recém lançado no Rio de Janeiro: “Órfão da Tempestade”, a biografia do jornalista Carlinhos de Oliveira, escrita por Jason Tércio.

            Fui conferir e realmente a nossa viúva estava lá, com fotografia e tudo que tinha direito. Ela foi um dos muitos romances de Carlinhos de Oliveira, um jornalista polêmico, irreverente e inteligente, autêntico representante da intelectualidade do Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70, na imprensa escrita carioca, como se afirma no próprio livro.

            A obra é tão bem feita que não temos a impressão de que se trata de uma biografia, talvez porque o autor, em seus relatos, retratou também todo espírito de uma época e de uma “geração que viveu entre o terror e o êxtase”.

José Carlos Oliveira era simplesmente fascinante e carismático na sua forma de escrever, tão cheio de riquezas criativas e complexidades quanto foi sua existência. Costumava dizer: “Minha própria vida é muito mais interessante do que qualquer obra imaginária”. Carlos Heitor Cony, colunista diário da Folha de São Paulo, escreveu sobre ele: “Ninguém como Carlinhos de Oliveira, em seu tempo e lugar, percebeu o vazio da condição humana. Sua obra, apesar de esparsa e fragmentada, pode ser encarada como o maior romance contemporâneo”. Também pudera, o homem em questão escrevia numa coluna diária do Jornal do Brasil, a qual quatro dias era assinada por ele e três dias por Carlos Drummond de Andrade. Carlinhos tinha um texto enxuto, elegante e com alta voltagem literária e, apesar dos perigos, costumava “cutucar a política com vara curta”, mais no plano moral-poético é claro.

Ele chegou a escrever vários livros. Era boêmio e figura marcante nas redações e nos bares da vida da zona sul carioca, mas – como diz o autor da sua biografia, – ele não foi apenas um expoente do mundanismo contemporâneo, era um filho ressentido que rompeu definitivamente com a família; o anti-Casanova que atraiu incontáveis mulheres; o alcoólatra e drogado que podia ser delicado como uma criança, desagradável como um velho rabugento, ou engraçado como um palhaço, mas, acima de tudo, um amigo leal que tinha uma conversa divertida e instrutiva.

Carlinhos viveu 52 anos, mas com tanta intensidade e ousadia de reinventar a vida, que seria impossível ter vivido por mais tempo. Enfim ele era um “Órfão da Tempestade”.

Jason Tércio, autor da biografia, é jornalista com mestrado em literatura brasileira. Foi redator do Jornal do Brasil e de O Globo além de radialista da BBC de Londres. Contista premiado em diversos concursos nacionais, ele é autor dos romances: “A pátria que o pariu” e “Os escolhidos”. Jason não conheceu Carlinhos Oliveira, mas é um apaixonado por suas obras, como figura marcante que foi na imprensa brasileira de sua época.

Agora pasmem! Carlinhos Oliveira, que escreveu para Manchete, Fatos & Fotos, o Pasquim, Jornal do Brasil e outros veículos fortes da época, não tinha nem o ginásio completo, era autodidata e costumava dizer que sua Universidade tinha sido a  Biblioteca de Mário Pedrosa. Enfim, esse “Órfão da Tempestade”, que costumava dizer ser um espião de Deus, foi ele próprio “uma tempestade que ceifou a orfandade de que nunca se conformou com a simultaneidade do inferno e do paraíso dentro da alma humana”, como diz o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony.