Injustiçada, uma criatura de alma triste e olhar aterrorizado de tanto suplicar a Deus em vão, não entendia porque suas orações não eram ouvidas. Já havia recorrido a toda sua capacidade intelectual que, por sinal, outrora julgava infalível, e tudo que conseguiu foi complicar seu quadro existencial desastroso. Buscou Deus uma, duas, três mil vezes, e nada. A cada dia, sentia-se mais frágil e com menos fé, razão porque mudou de religião uma, duas, três, "n" vezes, e nada; Deus parecia distante, inatingível, como se estivesse com raiva.
Cansada de tanto esperar por justiça divina e não ser atendida, secou as lágrimas e encheu o coração de mágoa, sentindo-se um ser eternamente castigado, descobriu que aqui mesmo na terra tem céu, purgatório e inferno.
Não mais vivia, apenas perambulava em sociedade, sentindo ânsias de ódio e vomitando revoltas. Nesse estágio, excomungou a fé e a vida e invejou os ateus.
Um dia, a criatura contou a sua longa e triste história a uma pessoa, que embora não se entendesse pregadora oficial do Todo Poderoso, era sábia e equilibrada, tinha o dom de ouvir e o discernimento de ler as vírgulas e os pontos nos "is" de cada relato humano.
Com simplicidade superior, o ser iluminado disse à criatura triste: "O maior divertimento do verdadeiro inteligente é se fazer de bobo, para ouvir o bobo que se julga inteligente". Aplaca tua ira e busca junto ao teu inimigo as respostas para tuas interrogações. Perplexa, a criatura triste respondeu: - "É impossível se aproximar de um inimigo tão baixo!"
O ser iluminado deu continuidade ao diálogo:
- Infelizmente, em nenhuma religião tiveste a força de perdoar teu inimigo, o que teria te libertado. Teu ódio vem dando ao teu opressor, poderes de um deus e de um demônio. Essas forças serão anuladas com o teu perdão. Já que não és capaz de perdoar através da fé, perdoa na compreensão. Finge-te de criatura tola e te aproxima do inimigo como se quisesses sua amizade. Ele irá cegar de vaidade, espezinhar tua "humildade", revelando o quanto é ignorante, imbecil e infeliz. Diante de tanta mediocridade declarada, trocarás teu ódio por piedade e teu opressor sucumbirá, uma vez que se alimenta de torças negativas e a piedade é um antídoto ao mau. Entende, de uma vez por todas, que a justiça divina não cai do céu, é apenas uma conseqüência das atitudes de cada homem. E concluiu: - Há Deus, adeus.
A criatura triste, sentindo o cheiro da vingança do perdão, botou fé em si, reuniu novas forças, organizou a perspicácia e procurou o inimigo, de forma "vulnerável e ingênua”. O sádico opressor revelou sua primeira imbecilidade, acreditando piamente naquele teatro. As pessoas em volta não entendiam nada (o que por sinal era normal).
Em pouco tempo, o opressor mostrou-se arrogante, cruel, expondo para todos a sua vítima, com diferentes formas de humilhação, ao mesmo tempo em que fingia para ela ser ético para continuar oprimindo.
Como a criatura triste estava de espírito preparado, terminou por descobrir que o algoz era uma farsa para todo mundo, não se ofendeu mais e apenas repugnou tanta mediocridade, compreendendo que seu inimigo era digno de pena, pois, fatalmente, um dia, cairia em suas próprias armadilhas.
A criatura voltou a ser alegre, compreendeu todas as religiões, buscou Deus dentro de si e encontrou o êxtase do perdão. Nunca mais quis odiar ninguém. Hoje, tranqüila e cheia de sabedoria, apenas ri da bobagem do passado e da surpresa do ex-opressor que a vê como uma criatura de dupla personalidade, por tratá-lo com um misto de indiferença e compaixão.
Claro que o ser iluminado tinha razão. O opressor caiu uma, duas, três mil vezes, sem compreender o porquê de tantas derrotas. Já se perguntou uma, duas, três, "n" vezes, por que não tem mais poderes. E nada, nada de entender que a história mudou porque foi perdoado. Ele não chegou a conhecer a verdadeira personalidade de sua vítima, o que o levou a perder um pouco a própria identidade. Esse opressor ainda é debochado, mas só para os outros, dentro de si há apenas derrotas.
Parabéns, se o proprio Deus nos perdoa, quem somos nós para não perdoarmos. O perdão é uma decisão sábia e libertadora.
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