sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Altar da existência


            De alma misteriosa de tanto mergulhar no Eu do mundo e, ao mesmo tempo, translúcida de tanto dizer verdades inesperadas; uma mulher predestinada e destinada a buscar no silêncio do vazio de seu único filho autista, uma resposta, uma ponte, uma compreensão para o chamado mundo dos "normais", aprendeu os mistérios de Deus no altar da própria existência.
Seu nome é Temira Brito. Às vezes, rainha na impotência de muita cultura adquirida numa vida de luta com o inexplicável, às vezes, dócil e terna, por compreender que tudo é nada e nada é tudo, quando o ser humano consegue a mais difícil das tarefas do existir: conhecer-se.
Temira é especialíssima e, por isso mesmo, compreendê-la é ter uma visão maior do ser humano. É que ela não ama os contrários, apenas para justificar que Deus é bom, ou porque as criaturas são ruins. Meio misteriosa, ela que não é ateia, é capaz de compreender o destino no momento em que não mais se escandaliza com nada, e "ama e perdoa o tamanho da sua própria natureza".
Dentre todas as pantomimas algumas espalhafatosas e enfadonhas, mas inevitáveis, a que tive que assistir e com que tive de conviver em sociedade, por força de minha profissão e pelas missões que assumi em minha trajetória de vida, até hoje; destacam-se as atitudes de Temira, pois elas são as mais contidas, as mais discretas e, por isso mesmo, precisas como um raio que fere um ponto, mas consegue, quase sempre, iluminar milhares.
De todas as máscaras enganosas, mas inevitáveis, do baile da vida, a de Temira é, sem dúvida, a mais transparente e, talvez por isso, a mais contundente de todas.
Seu raciocínio rápido parece achar que não há mais tempo para se perder com explicações sucessivas, para se dizer verdades que há muito já deveriam está entendidas ou subentendidas nas entrelinhas da história humana.
Acompanhar o raciocínio de Temira Brito é ter que ir e vir por caminhos ainda desconhecidos como se nos fossem íntimos, não pela exigência do politicamente correto, mas pela visão e revisão que ela nos leva a fazer de nós mesmos.
Certa vez, Temira festejou com familiares e alguns amigos, seus 70 anos de vida e de vitória como ela mesma disse durante a celebração da data, e que o colunismo social registrou no seu aspecto mais convencional. Eu, entretanto, prefiro avaliar hoje como um instante de alegria singela, de energias do bem, de aconchego de lar, de carinho de amiga e irmã de pensamentos. Especialmente, quando comparei seu olhar agradecido e até ingênuo com o olhar blasé de certas criaturas fantasiadas de um poder que de fato não têm, de um ter que não possuem e de um ser que está longe de ser e do Ser.
Identifico-me com Temira, por sua autenticidade "paradoxalmente" ingênua e corajosa. Ingênua no sentido de não pensar que fere ao dizer verdades urgentes e necessárias, e corajosa por bastar-se e não ter medo de dizê-las.
Não acredito em conivências sem clareza, sem diálogo e. - por que não dizer - sem polêmica. Tenho poucas amigas e amigos que me são criaturas caras, porque me aceitam sem exigir de mim a máscara da pessoa apenas boazinha. Ao contrário, dizem aprender com minha sensibilidade e com os meus valores. Temira é uma delas, uma mulher meio Clarice Lispector. Somente criaturas assim são capazes de orar no altar da própria existência, sem precisar ser hipócritas com Deus e com a sociedade. Bravo, Temira, bravo! "Maior é aquele que está em mim do que aquele que está no mundo". (1º Joao 4, 4)

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